Um homem na chuva

Já estava muito tempo ali naquele suplício, só então resolvi me zangar. Estava eu no ponto feito um pinto molhado, todo encolhido. Havia um enorme rombo na cobertura, fazendo de uma goteira uma bela cachoeira, as pessoas unidas se protegiam como dava. Como a condução não viesse, eu já dizia cobras e lagartos em meu pensamento. Um camarada vem até mim assustado e me pede um trocado para inteirar a passagem, comovido que sou contribuo na hora sem pensar. Não estava agasalhado e as vestes eram humildes, mas tinha decência. A chuva não parava de jeito nenhum. Eu já estava quase derretendo de desespero quando reparei que o sujeito se mantinha firme na empreitada, tendo abordado todos e já pelos meus cálculos devia ter o triplo do valor necessário para a tarifa. Passei a encará-lo, ao que ele percebeu, olhou-me com espanto e desviou o olhar. Muito tempo depois, quando eu já cogitava a hipótese de assassinato de todos os motoristas de ônibus, o filho de deus continuava a pedir, agora mais moderado. Indignado mas contido fui até ele e perguntei-lhe gentilmente:
- Meu bom homem, o senhor já não acha que conseguiu o bastante para a passagem do ônibus?
E ele desconversando:
- Vou de táxi!
Acabou de falar, deu um pulo por cima da poça que se formara defronte ao ponto, estendeu o braço e gritou:
- Táxi! Táxi!
O carro encostou, ele entrou e foi embora.
Sacripantas. Pensei.

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