Feche os olhos

Fico pensando nas diferentes visões de mundo das pessoas. Há quem creia com fervor que todas as coisas neste universo são regidas por uma força mágica e que por trás de tudo há um ser espetacular, lindo, bom, supremo e perfeito. Esse alguém seria Deus. Por outro lado, há os radicais que defendem ser esse mundo o caos total: ninguém manda em ninguém, ninguém deve nada a ninguém, ninguém é de ninguém e tudo veio do nada. Apesar de ter uma queda a ir para esse lado, também me parece bastante equivocado jogar tudo pro nada. Acredito ainda que, tão imaturo quanto jogar para Deus as nossas inquietações e tormentos espirituais sobre morte, ressurreição, eternidade, castigo etc. para nos livrar da aflição e angústia que é tentar encontrar uma luz para esses temas é acreditar cegamente que as coisas simplesmente existem por acaso. Quando estou perturbado, costumo apreciar o vento, os pássaros, as plantas, as flores, os animais e as belas sinfonias. Sentado no gramado da Cidade Universitária à sombra de uma frondosa árvore enquanto me delicio com o concerto nº 4 para piano e orquestra de Beethoven e admiro a floresta de arranha-céus da avenida Brigadeiro Faria Lima, de grande parte da marginal Pinheiros e alguns poucos da região da Paulista penso: será mesmo? Não quero acreditar que tanta beleza possa ser assim tão volátil. Alguns instantes antes, uma borboleta pousara em meu joelho.

Talvez seja mesmo uma grande tolice crer que Deus tenha feito o mundo, mas aparentemente, ainda não inventaram uma ideia melhor.

Certa vez, um colega de faculdade, aluno de filosofia, comentou calmamente que ateu e religioso são pessoas de muita fé. O religioso tem fé que Deus exista e o ateu tem fé que não. Muito provavelmente o nível de fé deles é o mesmo (ainda não inventaram um aparelho para medir, graças a deus, e com ironia da expressão). Apenas canalizam suas energias em direções diferentes. Os dois ocupam extremos igualmente frágeis e em certa medida irracionais. A desculpa que o ateu impregna no religioso de ter preguiça de pensar por conta própria e aceitar tudo que a religião impõe vale contra ele mesmo. É um tiro no pé. Pode ser uma grande viagem acreditar que o céu outrora fosse habitado por anjos, que um deles se rebelou contra o criador perfeito (pausa para reflexão: se deus é perfeito, como fez um ser capaz de se rebelar contra ele?), que esse mundo foi criado por um ser divino que interferiu várias vezes no rumo da humanidade e que depois passou a sentir prazer jogando com seus brinquedinhos como uma espécie de videogame em que vem assistindo pelos séculos dos séculos a comédia humana e o desastre terreno de sua mais bela criação e assim por diante. Mas também não parece ao humilde leitor erro crasso não acreditar em nada? Apesar de orgulharem-se da ciência, atribuir a origem do universo e do homem ao simples e mero acaso não é exatamente uma postura científica.

Algumas canções do Pato Fu, apesar da aparência inocente e do tom alegre das melodias, trazem boas provocações religiosas. Já não é de hoje que compõem músicas questionando abertamente o altíssimo. Pode ser que sejam ateus, se deus quiser.

As pessoas têm que acreditar
Em forças invisíveis pra fazer o bem.
Tudo que se vê não é suficiente
E a gente sempre invoca o nome de alguém.

Acho muito caro o que ele está pedindo
Pra eu ter muito mais sorte e menos azar.
Acho muito pouco o que tenho no bolso
Pra ver o sol nascer não tem que pagar.

É certo que milagre pode até existir
Mas você não vai querer usar.
Toda cura para todo mal
Está no Hipoglós, no Merthiolate e no Sonrisal.

Quem tem a paz como meta
Quem quer um pouco de paz,
Que tire o reboque que espeta
O carro de quem vem atrás.


Fui tomado por sufocação e um suave horror certa vez ao circundar a praça Rotary, no bairro de santa Cecília, ouvi uma reflexão de Jorge Luís Borges que o amigo Rodolfo Konder fazia a gentileza de ler:

Fecho os olhos e vejo um bando de pássaros. A visão dura um segundo ou talvez menos; não sei quantos pássaros vi. Era definido ou indefinido o seu número? O problema envolve o da existência de Deus. Se Deus existe, o número é definido, porque Deus sabe quantos pássaros vi. Se Deus não existe, o número é indefinido, porque ninguém pode fazer a conta. Nesse caso, vi menos de dez pássaros (digamos) e mais de um, mas não vi nove, oito, sete, seis, cinco, quatro, três ou dois pássaros. Vi um número entre dez e um, que não é nove, oito, sete, seis, cinco etc. Esse número inteiro é inconcebível; portanto, Deus existe.


Respirei fundo e fui contemplar as árvores.

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