Um dia comum sempre tem início no acordar, café da manhã, banho, despedida. Sim, todas as pessoas comuns fazem isso, exceto R. Ele não é um homem excêntrico, mas calcula possibilidades infinitas dentro de situações corriqueiras. Geralmente, olha para o chinelo em frente à cama e põe-se a pensar “Puxa, o que aconteceria se eu não colocasse o chinelo hoje?”, ou, “E se eu não tivesse chinelo?” Muitas vezes, R se pegava devaneando sobre isso, e acabava por mistificar pequenos assuntos.
Nesse dia em especial, o sábado, R levantou e colocou os sapato, pensou no que aconteceria se não o fizesse, e teve medo dos resfriados e outras doenças rastejantes. R abriu a janela e olhou para o horizonte, imaginando como seria voar. “Os pássaros têm sorte.”
Todo o dia comum de R foi marcado por essas excursões as realidades alternativas, lugares onde ele tinha descido o prédio pelas escadas, ao invés de usar o elevador. Viu quando um carro passou pelo sinal vermelho, e ficou imaginando o que aconteceria se o carro batesse, ou se um guarda estivesse no cruzamento.
Teve até a vez em que encontrou, por acidente, sua ex namorada, Márcia. Pensou nela como uma possibilidade, viu um casamento que não aconteceu, filhos que não existiram, sogra, churrascada, barriga de cerveja, aposentadoria, INSS. Ela já tinha virado a esquina, com um seco “tchau” ,e ele com um “té mais”, quando ele pensou no que teria acontecido se eles não tivessem namorado. Não existiram possibilidades que ele acabara de inventar.
O tempo, devorador, corrupto, irrefreável, sincrônico. Chegou ao meio dia. R tinha atravessado a rua para comprar jornal, viu que o garoto da banca não devia ter mais que dezessete anos, pensou no que ele se tornaria daqui a algum tempo, fez uma linha temporal de sua juventude com amigos, sem amigos, e depois criou uma chance do garoto se tornar inteligente, quando mostrou a ele o livro que carregava.
R deixou a imaginação de lado, quando começou a chuva. Mas, concentrou-se muito para não pensar no que aconteceria se um raio o atingisse: os poucos amigos visitando-o no hospital, a namorada-inexistente enviando flores, o sobrinho gordinho e mirrento roubando seus presentes. Até pensou no caso que poderia ter com a enfermeira, se ela fosse bonita.
Tudo em sua vida não passava de “se”, e não era muito o que realmente “era”.
R voltou para casa após sua corrida matinal, fazia isso durante o fim da tarde, não gostava da manhã, onde nada tinha acontecido, nem tinha a chance de ter acontecido. Só quando ligou o chuveiro é que percebeu seu erro: não comprara pão.
Mas, o que aconteceria se tivesse comprado?
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