Vamos agora falar sobre o cigarro. Confesso que já fumei algumas vezes na minha vida e, sabe? É uma sensação diferente, um prazer envergonhado, mas ainda prazer. Ver a cortina de fumaça subindo pela sua cabeça, seu pulmão se esvaziando e aquele gosto de madeira queimada (diferente de carvão) na boca –dependendo do que você está fumando. Policiei-me durante tantos anos e martelei na cabeça que isso é sem futuro, no que dou razão a mim mesmo. Agora, por mais mórbido que seja esta forma de suicidar-se, não posso deixar de relatar uma interessante constatação. O título deste texto parece direcionado aos inseguros, medrosos, covardes e mesmo os tímidos, mas não. É incrível como passamos despercebidos pela rua. As pessoas não se importam umas com as outras e ninguém quer saber quem é você. A gente estuda, trabalha, luta pra ser reconhecido e apreender alguma coisa dos livros mas só recebe desprezo das pessoas de quem mais gostamos. Nesse contexto, o cigarro torna-se um excelente amigo, tal qual a bebida. Reclamar é fácil, entender o outro ninguém quer. Mas eu dizia que as pessoas são fechadas, repare num ônibus que acaba de partir. São poucos os passageiros mas eles querem cada um um banco para se sentirem poderosos, evitando o contado com os demais. Cada um ocupa um assento e ninguém quer sentar com ninguém. Já não se conversa como antes, e se alguém ousa cantarolar uma melodia, por mais animada que seja, será o chato ou louco que não deixa ninguém em paz. Se você anda pelas ruas da cidade com alguma frequência, saberá que ninguém se importa com você.
Até que acenda um cigarro.
Parece mágica, você anda ruas e avenidas, dobra mil esquinas e atravessa dezenas e dezenas de quarteirões, as pessoas sequer olham no seu rosto. Acenda um cigarro e verá que elas passam a sorrir pra você. Umas te pedem fogo, outras gentilmente demandam as horas, alguém vem perguntar se determinada condução passa ali. Um desconhecido pode até mesmo cumprimentá-lo com um alegre “bom dia!”. Claro, não falta o folgado querendo estragar o seu barato e se bacanear às suas custas. Vem amistoso e com sorriso de gerente de banco, desses que fingem educação mas que só querem saber quanto você vai investir nesses fundos obscuros, pede-lhe um cigarro. Vai plantar batatas! Some daqui!
Embora seja um péssimo hábito para o organismo. Entendo e não condeno quem fuma. Conheço gente que não fuma mas devora duas caixas de chocolates por semana. Há aqueles que, em vez de adotarem uma dieta saudável, aliada a exercícios, se entregam aos prazeres da carne e não perdem um bom churrasco, afinal “deus sabe a hora de cada um” não é mesmo? Tem horas em que não se quer comer, não se quer ouvir, não se quer beijar, sequer se quer viver, nada como um bom cigarro, um bom vinho ou uma boa cerveja, Pink Floyd acompanha.
Tolices.
Mas tolices deliciosas. Capazes de provocar o mais belo e puro êxtase na alma de maníacos depressivos e psicopatas, ou de metidos a escritores e intelectuais como é o meu caso.
Olhando para o lado pragmático, não é curioso o próprio rótulo de um produto conter um pedido para que você não o consuma? Numa análise superficial, fumar parece um ato irracional. Entrando no psicológico do sujeito vamos achar lá uma meia dúzia de traumas, algumas fobias, três ou quatro disfunções hormonais. Paciência... cada um tem o seu jeito. Eu nunca consegui me livrar do vício de roer unhas e destruir os dedos apenas com os dentes. Dói, sai sangue e a cicatrização leva meses. Não adianta, se eu me irritar ou ficar apreensivo, levo mais uma vez os dedos à boca e, quando vejo, já é tarde. E nem venha pensar que você é normalzinho... somos todos péssimos produtos do sistema. É fácil amar o próximo quando o próximo é limpinho como eu e você. Se tiver carro, curso superior e curtir cerveja nem se fala! Já o camarada que mora na rua, come dia sim dia não e não e só se banha quando chove, esse é mais difícil não é verdade? Pra ele a única coisa que resta é o seu inocente e companheiro cigarrinho. Se esse mundão velho tivesse um pouco mais de amor, as pessoas talvez não precisassem fugir da realidade com cigarro, bebidas, jogos, música, arte, deus...
Cada um se ilude como pode.
Daria com prazer o maço inteiro se alguém chegasse pra mim e falasse assim “há dias que não como, e semana que não escarro. Amigo, dá um cigarro?”
Seja feliz. Ao menos tente.